segunda-feira, 14 de fevereiro de 2005

RADIOGRAFIA ANAPU

Anapu, a cidade paraense onde a missionárias americana foi morta fica do lado de Altamira, casa dos meus pais. Anapu é um vilarejo, recentemente emancipado, um dos fatores que fizeram com que Altamira perdesse o título de maior município do mundo. A população, cerca de 10 mil habitantes (inclui colonos da vasta zona rural), vive da plantação de cacau , arroz, extração ilegal de madeira e da criação de gado de corte. A cidade é reduto de caminhoneiros que sofrem pra cruzar a Transamazônica. É cidade dormitório.

Muitas e muitas vezes ia pra lá com meu pai. Comíamos peixe frito na beira da estrada. Dormíamos em rede. Tomava banho de rio escondido. Molhava todo o banco do carro do papai. Eu gostava. Soava como aventura. Depois de 12, 13 anos, o lugar continua o mesmo: sujo, extremamente pobre, cruel e sem lei.

Estive lá no final do ano passado. Um amigo de infância mora lá atualmente. É enfermeiro do único hospital daquele local. Hoje, pela manhã, fui surpreendido com a foto abaixo na FOLHA DE SÃO PAULO:


O corpo da missionária norte-americana Dorothy Stang, na estrada de terra em que foi morta

Espreme que sai sangue. Péssimo gosto. Mas poderia ser pior. Estou absolutamente certo de que os jornais locais da região do crime, como a Folha de Tapajós, dona dessa imagem, publicaram closes do cadáver.

No trabalho, fui pautado para escrever a nota oficial do caso pela assessoria de imprensa da empresa. O texto segue abaixo:

"O assassinato da missionária americana Dorothy Mae Stang, 73, no último sábado, em área de conflito no Pará, denuncia um Brasil sem lei. A frágil estrutura , falta de segurança e péssimas condições de trabalho da religiosa, que sempre defendeu a dignidade de trabalhadores rurais, explicitam a coragem e a determinação da irmã na luta pela tão sonhada reforma agrária nacional, entre outras bandeiras.

Dorothy foi vítima de criminosos que se auto-proclamam donos da terra, acima das leis do país. Os seis tiros que levaram a vida da missionária, na maneira mais covarde e cruel, não calaram sua causa, muitos menos os simpatizantes dela. Os laços dos objetivos traçados por essa americana, naturalizada brasileira, que saiu de seu país para lutar por um Brasil mais justo, uniu muito mais a busca por esperança e democracia.

A [empresa que trabalho] espera que a justiça puna com rigor os responsáveis por esse crime bárbaro, que fere todos os princípios de dignidade, virtude e de luta pelo povo brasileiro. Esperamos que uma verdadeira reforma agrária seja uma realidade neste governo.

Fulano de tal, presidente da empresa de tal"